PREFEITO PROCESSA ORFÃ EM 50 MIL POR POST NO FACEBOOK, TRÊS DIAS APÓS ELA PERDER O PAI PARA COVID-19

O GLOBO.COM

EXTRA.COM

YAHOO ESPORTES

Depois de perder o pai para a Covid-19 na semana passada, uma moradora de Itu, no interior de São Paulo, está sendo processada em R$ 50 mil pelo prefeito de seu município após mencioná-lo em uma publicação no Facebook. Filiado ao Partido Liberal (PL), Guilherme Gazzola entrou com uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) com pedido de indenização por danos morais após a recepcionista Milene Thais Pereira, de 33 anos, publicar na rede social uma mensagem afirmando que o gestor público teria mentido publicamente sobre a disponibilidade de leitos de UTI para vítimas da pandemia. O pai dela, Benedito Bento Pereira, de 64 anos, morreu na capital, a cerca de cem quilômetros de casa, após ter sido transferido enquanto apresentava um quadro grave da doença infecciosa.


: PREFEITO PROCESSA ORFÃ EM 50 MIL POR POST NO FACEBOOK, TRÊS DIAS APÓS ELA PERDER O PAI PARA COVID-19

O caso corre na 1ª Vara Cível de Itu e teve início na última sexta-feira, três dias após a morte de Benedito. Na quarta-feira, dia em que a família sofreu a perda, Milene escreveu na internet que, após a internação em 18 de julho, “o quadro dele foi se agravando e precisamos de uma UTI para que ele pudesse ser intubado”. Na mensagem, a moradora fez referência a Gazzola, ao prosseguir narrando a piora no quadro clínico do pai: “Foi transferido para São Paulo porque nosso prefeito, Guilherme Gazzola, posta, faz discursos e propagandas de que temos leitos e respiradores para nossa população. Uma mentira! “. Ela ainda completou: “(…) não temos mais UTI aqui na nossa cidade”. A publicação teve, em um primeiro momento, cerca de 250 curtidas, 170 comentários e três compartilhamentos.

Na ação, os dois advogados que representam o prefeito pedem que Milene retire a publicação, faça uma retratação e o indenize em R$ 50 mil, sob pena de multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento a partir da sentença. A argumentação da defesa é de que a autora da publicação teria feito referência a “fatos absolutamente inverídicos” que poderiam acabar “manchando injustamente sua imagem e credibilidade perante o cidadão ituano”. Há ainda a consideração de que Gazzola é candidato à reeleição na cidade.

Para comprovar que o cenário no município não seria o descrito pela moradora, uma declaração da Secretaria de Saúde do local foi anexada à petição para justificar que o paciente Benedito Pereira foi transferido para uma unidade de referência na capital, o Hospital Barradas, por ter precisado de um atendimento com “maior complexidade e estrutura”. Ele tinha diabetes e era obeso, de acordo com o documento. No dia da transferência, a ocupação dos leitos intensivos de Itu era de 5% no hospital municipal e de 16,66% na iniciativa de campanha.

Prefeito fala em ‘desrespeito à memória’; advogado crê em recuo

Procurado pelo Sonar para comentar a decisão de entrar com a ação judicial contra a moradora, Gazzola reprovou o uso das redes sociais feito por Milene Thais. “Nos pautamos pela verdade, que é descrita e registrada no prontuário médico do paciente, um documento oficial. Num momento triste como este, lamentamos profundamente o uso das redes sociais para disseminar o ódio, caluniar os envolvidos e desrespeitar a memória de quem não está mais aqui”, afirmou o prefeito por meio de sua assessoria de imprensa.

O advogado da recepcionista, Adriano Alves, disse esperar que a má repercussão em torno do processo possa fazer com que Gazzola desista da ação. Alves destaca que Milene não tem vínculos políticos na cidade e diz que a atitude do prefeito é “coercitiva” e “busca a censura”. Para o advogado, a cliente não teria mentido ao se manifestar no Facebook, uma vez que, antes de morrer, o pai dela foi transferido por falta de uma estrutura adequada para o próprio quadro de saúde.

O que mais magoou a cliente e nós, da equipe de defesa, foi que o prefeito não fez referência a condolências ou respeitou o sinal de luto na petição, como é praxe em casos do tipo. A Milene não é política e expôs o que entendeu que lhe era de direito. Receber a notícia da ação foi inacreditável para ela. A família não merece ficar com esse processo. Se o prefeito desistir da ação, concordamos na mesma hora — afirmou Alves.

Em nota, a Prefeitura de Itu ressaltou que “a cidade dispõe de estrutura para o atendimento adequado durante a pandemia” e que “a transferência do referido paciente para um hospital de referência se deu exclusivamente à gravidade de seu quadro clínico, após avaliação médica”. O texto diz ainda que “as informações de que a cidade não possui estrutura e vagas para o enfrentamento à Covid-19 são comprovadamente inverídicas” e faz referência à existência de leitos disponíveis no local na data em que Benedito Pereira foi transferido.