Advogado fala sobre combate a divulgação de “fake news” nas eleições

Jornal Primeira Feira

O advogado Adriano Alves é especialista em direito eleitoral, tendo escrito livros sobre o assunto, além de contribuir em publicações de outros autores. Ele acredita que o pleito de outubro terá um grande embate entre candidatos nas mais diversas esferas e ação decisiva por parte da Justiça Eleitoral, para coibir as chamadas ‘fake news’ e também mostrar a todos que a internet não é ‘terra de ninguém’. A ferramenta quando não usada corretamente, pode causar sérios prejuízos não apenas aos partidos e candidatos, como também ao eleitor.

Como será feita a fiscalização?
Adriano Alves: Costumamos falar que o fiscal de nosso cliente é o ‘coleguinha’, o outro candidato. O segundo fiscal será a justiça eleitoral e um terceiro fiscal é o próprio cidadão. Essa sistemática não muda. Já faz tempo que é desse jeito e continua sendo assim. Talvez os mecanismos sejam diferentes, mas esse caminho de fiscalização sempre foi dessa forma e continuará assim.

O que podemos esperar das eleições de 2022?
Adriano Alves: Da advocacia eleitoral pode se esperar muita atuação e da Justiça Eleitoral, muita fiscalização. E isso não só dos tribunais superiores, mas também nas cidades, com os juízes locais, que também fiscalizam as propagandas. No geral, esperamos um grande embate, talvez um dos maiores. Em 2018 houve uma grande discussão, uma grande divisão de conceitos, principalmente sobre o uso das redes sociais, do que era ou não “fake news”. Agora nós entendemos. Neste ano está muito polarizado, nesse discurso de ‘bem’ contra o ‘mal’, de ‘A’ contra ‘B’. Esperamos muita judicialização, muitos conflitos e muitos problemas. Por isso é muito importante notícias sérias e, nesse ponto, é importante a imprensa, como um filtro de informações.

O que pode e o que não pode fazer?
Adriano Alves: Temos um parâmetro que praticamente tudo o que pode fazer na pré-campanha, pode-se fazer na campanha. Na pré-campanha não pode apenas algumas coisas, mas a justiça eleitoral flexibilizou. Já na propaganda eleitoral, o risco que existe é fazer acusação contra a urna eletrônica. Primeiro porque, temos um deputado paranaense cassado por disseminação de desinformação, que alegou que as urnas eram fraudadas, em 2018. Temos um deputado condenado cujo pontapé inicial foi o ataque contra a justiça eleitoral. Então, vemos que o grande problema é atacar a própria justiça. Mas existem outras questões, como as denúncias falsas, a chamada denunciação caluniosa eleitoral, que pode gerar uma pena de até 8 anos de prisão, diferentemente de outros crimes eleitorais cujas penas são menores. Outro crime é o de propagar denúncia falsa, que chega a 8 anos de prisão também. Essa questão é perigosa, principalmente quando se fala de dinheiro, se não vira abuso de poder econômico.

Quais crimes um cidadão comum pode cometer pela internet?
Adriano Alves: O cidadão pode cometer alguns crimes, como, por exemplo, impulsionamento em publicações nas redes sociais para pedir voto. Isso não pode. Na eleição de 2020, por exemplo, no dia da eleição eu comecei a receber mensagens no meu celular de amigos de outras cidades, para pedir voto para o candidato dele. Eu avisei para a pessoa que não poderia pedir voto no dia da eleição. Isso pode ser feito até às dez horas da noite do sábado que antecede o dia da votação.

Pode manifestações silenciosas no dia da eleição?
Adriano Alves: Se há um grupo de 50 pessoas que se uniram e foram juntas até a porta da escola, onde ocorre a votação, com bandeiras ou camisas da mesma cor que representam determinado candidato, é um crime. Aglomeração de pessoas na porta das escolas no dia da eleição é crime. Não importa se está pedindo voto ou não. A legislação eleitoral descreve vários ilícitos que podem esbarrar no eleitor. E tem muito eleitor respondendo por esses crimes.

Já recebeu alguma denúncia concreta de fraudes nas urnas eleitorais?
Adriano Alves: Na eleição de 2018 para presidente eu recebi muita denúncia de fraude. Foram muitos processos montados, preparados e estou até hoje esperando prova para entrar com a ação. Tem muitas denúncias, mas a prova não vem. A verdade é que desde a implantação do voto eletrônico não existe prova alguma de infidelidade na urna.

Como a Justiça Eleitoral pode evitar a propagação das “fake news”?
Adriano Alves: Estamos acompanhando todo esse embate de separação de poderes e a justiça eleitoral está fazendo um trabalho para que o cidadão possa saber sobre isso. Advogados eleitorais e acadêmicos estão sendo incentivados a difundir informações verdadeiras. A melhor forma de fazer isso é trazer informação séria, trazer a letra da lei, trazer decisões judiciais e o que realmente reflete na sociedade.

Como saber o que é ou não verdade?
Adriano Alves: É preciso estudar, assistir mais jornais, variar na escolha do noticiário, menos redes sociais, para então formar uma opinião. Para saber em quem votar, procure nas redes sociais de um, de outro; quando assistir um jornal, assista em vários lugares. Utilize a democratização de informação que vivemos. Aí você consegue ter ideia do que é a verdade.

Qual a diferença do judiciário para o judiciário eleitoral?
Adriano Alves: A justiça eleitoral é um pouco diferente. Seus integrantes têm uma relação muito grande e conversam muito. O acesso a um ministro do TSE é bem mais simples do que o acesso de um advogado a um desembargador da justiça comum. Você manda um e-mail e ele te responde. É tudo mais simples por causa dos princípios da justiça eleitoral de simplicidade e democracia.

E o que mudou nos últimos anos?
Adriano Alves: De 2014 pra cá, a principal evolução foi o alinhamento com as plataformas digitais. Foram criados grupos de trabalhos com os grandes, como Google, Instagram, Twitter, Facebook e agora também com o Telegram, promovendo acordos de colaboração que talvez tenham sido os maiores avanços. Em 2014 e 2016, você pedia uma liminar para tirar um conteúdo da rede social, o oficial de justiça tinha de pegar aquilo, por debaixo do braço, ir correndo até a avenida Paulista, no endereço de determinada rede social, por exemplo, e solicitar a remoção. Isso poderia levar três dias. Agora não. Em 2018 já aconteceu de sair a liminar, e a justiça eleitoral mandar um e-mail direto para o advogado da rede social. Em algumas horas o conteúdo está fora do ar.

Em sua opinião houve algum retrocesso?
Adriano Alves: Sim, talvez não seja nem contra a justiça eleitoral, mas contra a nossa democracia. E quando a democracia retrocede, as instituições retrocedem junto. Essa questão de parlamentar enfrentar ministro, de o executivo enfrentar ministro, isso não é republicano. E aí dou um exemplo de, quando o ministro Alexandre de Moraes cita a frase de Umberto Eco, de que as redes sociais deu voz aos imbecis, e isso vem para a mídia, é um retrocesso. O judiciário deveria manter mais a descrição. Talvez essa exposição e essa nivelação com os atores políticos acabam só aumentando o embate e atentando contra a democracia. Por outro lado, se não há esse embate, se alguém não se levanta, as coisas vão passando.

Você fez parte de uma comitiva de advogados que acompanhou a eleição no Chile, no início deste ano. Quais as diferenças?
Adriano Alves: São dois pontos que podemos destacar e não apenas em relação ao Chile, mas toda a América Latina. A primeira é em relação a urna eletrônica. No Chile, por exemplo, tinham pacotes de urnas que caíram e perderam alguns votos. Mas a eleição ocorreu. Eu sou obrigado a defender a urna eletrônica. Eu venho acompanhando, mesmo de longe, o que ocorre nos países da América Latina. No Brasil, a justiça eleitoral termina a contagem dos votos algumas horas depois do término da votação, enquanto em outros países essa contagem leva dias. E não é apenas Chile. Os Estados Unidos levam dias para conferir os votos. Então vejo que o Brasil conseguiu evoluir nessa questão. A segunda situação é que, no Chile, a esquerda ganhou, mas a tendência mundial é a direita. Ninguém acreditou que o candidato Gabriel Boric ganharia e ele ‘sentou’ na cadeira.

Você tem publicação recente e já trabalha em outra?
Adriano Alves: Tem um guia que está sendo produzido junto com a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Trata-se de um produto de grupos de trabalho que discutiram seis assuntos, entre eles o financiamento de campanha e a propaganda eleitoral. O grupo que participei, do qual faziam parte juristas renomado do Rio de Janeiro e Paraná, discutiu a cassação de mandato por disseminação de “fake news”.